Francisco: "Se perdermos a memória de Deus também nós perdemos a
consistência"
Homilia do
Santo Padre na santa missa da Jornada dos catequistas
Na manhã desse domingo às 10.30 (hora de
Roma), o santo padre celebrou a santa missa pela Jornada dos Catequistas, por
ocasião do Ano da Fé, na praça de São Pedro. Publicamos a seguir a homilia:
1 . “Ai dos despreocupados de Sião e
daqueles que se consideram tranquilos, ... deitados em leitos de marfim” (Am
6,1.4 ), comem, bebem, cantam, se divertem e não se preocupam com os problemas
das outras pessoas.
Estas palavras do profeta Amós são duras,
mas chamam a atenção sobre um perigo que todos nós corremos. O que é que este
mensageiro de Deus denuncia, o que é que coloca diante dos olhos de seus
contemporâneos e até mesmo diante de nossos olhos hoje? O risco do conforto, da
comodidade, da mundanidade na vida e no coração, de colocar no centro da nossa
vida o nosso bem-estar. É a mesma experiência do rico do Evangelho, que vestia
roupas de luxo e todos os dias se dava abundantes banquetes; isto era
importante para ele. E o pobre que estava à sua porta e não tinha nada para
matar a fome? Não era problema dele, não lhe dizia respeito. Se as coisas, o
dinheiro, a mundanidade se tornam o centro da vida, elas nos prendem, nos
possuem e nós perdemos a nossa própria identidade de homens: olhem bem, o rico
do Evangelho não tem nome, é simplesmente “um rico”. As coisas, o que possui,
são o seu rosto, não tem outros.
Mas tentemos perguntar-nos: por que é que
isso acontece? Como é possível que os homens, talvez também nós, caiamos no
perigo de encerrar-nos, de colocar a nossa segurança nas coisas, que no final
das contas nos roubam o rosto, o nosso rosto humano? Isso acontece quando
perdemos a memória de Deus. " Ai dos despreocupados de Sião", dizia o
profeta. Se não há memória de Deus, tudo fica nivelado, tudo vai para o ego,
para o meu bem-estar. A vida, o mundo, os outros, perdem a consistência, não
contam para nada, tudo se reduz a uma única dimensão: o ter. Se perdemos a
memória de Deus, até nós mesmos perdemos consistência, até nós nos esvaziamos,
perdemos o nosso rosto como o rico do Evangelho! Quem corre atrás do nada
torna-se ele mesmo um nada – diz outro grande profeta, Jeremias (cf. Jer 2,5 )
. Nós somos feitos à imagem e semelhança de Deus, não à imagem e semelhança das
coisas, dos ídolos!
2 . Agora, olhando para vocês, me
pergunto: quem é o catequista? É aquele que protege e nutre a memória de Deus;
a guarda em si mesmo e sabe despertá-la nos outros. É bonito isso: fazer
memória de Deus, como Nossa Senhora que, diante da ação maravilhosa de Deus na
sua vida, não pensa na honra, no prestígio, nas riquezas, não se fecha em si
mesma. Pelo contrário, depois de ter acolhido o anúncio do Anjo e de ter
concebido o Filho de Deus, o que faz? Vai, visita à anciã parente Isabel,
também grávida, para ajudá-la; e no encontro com ela o seu primeiro ato é a
memória do atuar de Deus, da fidelidade de Deus na sua vida, na história do seu
povo, na nossa história: “A minha alma engrandece ao Senhor ... pois olhou para
a humildade da sua serva... de geração em geração a sua misericórdia " (Lc
1,46.48.50 ) . Maria tem memória de Deus.
Neste cântico de Maria tem também a
memória da sua história pessoal, a história de Deus com ela, a sua própria
experiência de fé. E assim é para cada um de nós, para cada cristão: a fé
contém precisamente a memória da história de Deus conosco, a memória do
encontro com Deus, que se move primeiro, que cria e salva, que nos transforma;
a fé é memória da sua Palavra que aquece o coração, das suas ações de salvação
com que nos dá vida, nos purifica, nos cura, nos alimenta. O catequista é
precisamente um cristão que coloca esta memória ao serviço do anúncio;
não para se mostrar, não para falar de si, mas para falar de Deus, do seu amor,
da sua fidelidade. Falar e transmitir tudo o que Deus revelou, ou seja, a
doutrina na sua totalidade, sem tirar ou acrescentar.
São Paulo aconselha especialmente ao seu
discípulo e colaborador Timóteo uma coisa: “lembra-te, lembra-te de Jesus
Cristo, ressuscitado dentre os mortos, que eu anuncio e pelo qual sofro (cf. 2
Tm 2, 8-9). Mas o apóstolo pode dizer isso porque ele se lembrou primeiro de
Cristo, que o chamou quando era um perseguidor dos cristãos, o tocou e
transformou com a sua Graça.
O catequista, então, é um cristão que
carrega consigo a memória de Deus, se deixa guiar pela memória de Deus em toda
a sua vida, e sabe como despertá-la no coração dos outros. Isso é exigente!
Compromete toda a vida! O que é o mesmo Catecismo, senão memória de Deus,
memória da sua ação na história, do seu ter-se feito próximo em Cristo,
presente na sua Palavra, nos Sacramentos, na sua Igreja, no seu amor? Caros
catequistas, pergunto-lhes: nós somos memória de Deus? Somos realmente como
sentinelas que despertam nos outros a memória de Deus, que aquece o coração?
3. "“Ai dos despreocupados de
Sião", diz o profeta. Qual o caminho a ser seguido para não virar pessoas
“despreocupadas”, que colocam a sua segurança em si mesmas e nas coisas, mas
homens e mulheres da memória de Deus? Na segunda leitura, São Paulo, escrevendo
a Timóteo, dá algumas indicações que podem marcar também a trajetória do
catequista, o nosso caminho: seguir a justiça, a piedade, a fé, o amor, a
paciência, a mansidão (cf. 1 Tm 6 , 11) .
O catequista é homem da memória de Deus
se tiver um relacionamento constante, vital com Ele e com os outros; se
for homem de fé, que confia realmente em Deus e coloca Nele a sua segurança; se
for homem de caridade, de amor, que vê a todos como irmãos; se for homem de
“hypomoné”, de paciência, de perseverança, que sabe lidar com as dificuldades,
provações, fracassos, com serenidade e esperança no Senhor; se for homem
manso, capaz de compreensão e de misericórdia.
Peçamos ao Senhor para sermos todos homens
e mulheres que guardem e alimentem a memória de Deus na própria vida e saibam
despertá-la no coração dos outros. Amén.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.